16.5.12


Hoje pela manhã me surpreendi ao ouvir um amigo dizer que desconhecia um dos mais originais, talentosos, criativos e inspirados movimentos da música brasileira: Manguebeat.

Há correntes que afirmam que o Manguebeat teve início na década de 70, com o Robertinho do Recife, primeiro músico a mesclar ritmos e gerar um novo a partir deles. Porém, o Manguebeat teve impacto em Recife, no início da década de 90, com misturas de sons que formavam uma simbiose entre Rock, Hip-Hop, Maracatu e Lounge e Batidas Eletrônicas. O nome do movimento já é um cartão de visitas da criatividade dos músicos, que faz referência ao mangue, segundo os ambientalistas, o ecossistema mais rico do planeta. Com essa analogia, os pioneiros queriam que o manguebeat formasse o "ecossistema musical mais rico do planeta".

Isso aconteceu após o manifesto do movimento Manguebeat, o Manifesto dos Caranguejos com cérebro. Chico Sciente e Fred Zero Quatro cobravam nele melhorias sociais na vida da população e todo cidadão brasileiro. A presença da tecnologia é uma marca do movimento, que engajava-se para a melhor exploração do mangue e alertando a todos que ali encontra-se os Caranguejos com cérebro, sempre antenados e com afirmação sobre o que acontecia no Brasil. Assim como o mangue original serve como uma "esponja", sugando tudo o que tem no mar e floresta, transformando em vida, o som criado pelos artistas era um reflexo de tudo pré-existente em volta. (Bem como o espírito da Antropofagia na Semana de Arte Moderna de 1922). Por esse motivo, o símbolo do Manguebeat é um carangueijo, habitante do mangue.

Essa ideologia contra-cultural, quase um protesto para o esquecido Nordeste do Brasil, agitou de forma pesada o cenário das artes, cinema, moda, social e até político de Pernambuco, novamente o colocando no cenário da cultura do país. Para situarmos o poderio cultural do movimento, a primeira transmissão de web rádio, mesmo que embrionária, foi no Manguebeat. A Manguetronic, que em abril de 1996 veiculava pela primeira vez um programa exclusivamente pela web, jogou na grande rede a nossa música.

Desse furacão cultural, o maior nome da massa que se formou foi o do Chico Science e a Nação Zumbi. São pedras fundamentais de cultura e muita influência ainda hoje na musicalidade nordestina/brasileira. Junto do Raimundos e Planet Hemp, Chico e a Nação Zumbi era o que tinhamos de mais criativo e vivo na música do Brasil durante a década de 90. Bem como o Tropicalismo, Bossa-Nova e outros ritmos que são genuinamente tupiniquim, a expressão popular foi marca e o colocava em um patamar superior quanto a música nacional.

Chico nos deixou prematuramente em 1997, num acidente de carro, mas a Nação Zumbi continuou, bem como o Manguebeat. A base cultural e a prova de que podemos sim reinventar o nosso som e, principalmente nossa cultura, ficaram para sempre. Injustamente, o movimento perdeu força por conta da discriminação que sofre o Nordeste e a necessidade comercial das gravadoras. Mas como tudo se reinventa, com a chegada da internet, aquela mesmo que foi aliada há 16 anos do Mangue, volta a ter importância e divulgar novos músicos.

A música "Maracatu Atômico" é até hoje a música símbolo do Manguebeat, ganhando importância mundial ao ser o tema de encerramento do filme "Senna", sobre o ex-piloto de Fórmula 1.



Show completo do Chico Science e Nação Zumbi, no Hollywood Rock in Concert, em 1996